domingo, 15 de janeiro de 2012

Seres humanos de condomínio

FÁBIO CARVALHO
Militante do MST

São pessoas que só conhecem pessoas do povo a partir da relação “você me serve, eu te pago”

Todos ali sabiam que a maioria das revistas e dos jornais mais vendidos do país tem como primeiro objetivo vender, como segundo objetivo vender e como terceiro objetivo manter a condição de bons vendedores.

Todos ali também sabiam que o direito de fazer o som e a imagem chegar a qualquer aparelho de rádio ou televisão é um direito de todos. Porém, é um direito que foi roubado e restrito a poucas emissoras. Chamavam de latifúndio no céu...

Condomínio de luxo ao lado da Favela do Paraisópolis em São Paulo
fotografia: Tuca Vieira
Todos ali sabiam também que a experiência de vida da maioria dos jornalistas que trabalham para a mídia-porta-voz-do-poder-de-voz limita-se ao que vivenciam em ambientes como clubes, academias, hotéis, boates, shoppings e restaurantes. Basicamente isso. Da infância à aposentadoria. Típicos seres humanos de condomínio. São pessoas que talvez até possam saber o que é trabalhar muito. Mas, antes e depois de trabalhar, dormem numa casa confortável, tomam um café da manhã confortável, entram num carro confortável, trabalham num escritório confortável e se divertem em lugares confortáveis.

São pessoas que só conhecem pessoas do povo a partir da relação “você me serve, eu te pago”. Conhecem empregadas domésticas, faxineiras, jardineiros, porteiros de prédio, vigias de carro, garçons, balconistas etc. São pessoas que, também por isso, não sonham com um mundo igualitário. Igualitário no que diz respeito às relações de poder, no que diz respeito às possibilidades iguais de poder ser feliz.

Todos ali sabiam (e se não sabiam imaginavam) que, em sua maioria, os jornalistas que se propõem a trabalhar para a mídia-alto-falante-do-que-fala-a-classe-alta foram estudantes universitários com pouca ou nenhuma formação política. Foram estudantes do tipo que não se interessam pelos problemas da humanidade, nem se indignam o suficiente com as injustiças sociais de cada país. Não entendem e não procuram entender como as sociedades estão organizadas, como poderiam se organizar.

Todos ali também sabiam que as pessoas mais sensatas (aquelas que, no caso, têm o mínimo de formação política) não teriam tempo de fazer mais nada na vida se resolvessem retrucar diariamente a ignorância política ou o oportunismo tendencioso dessa mídia que publica o ódio ao socialismo e a ode ao capitalismo.

Todos ali sabiam disso tudo e de outras coisas mais. Entretanto, ainda havia muito o que aprender sobre o tema. E era por isso que estavam ali, sentados em círculo, debatendo esse assunto. O debate estava sendo organizado por jovens que faziam parte da Brigada de Agitação e Propaganda “Semeadores”, um grupo criado pelo Coletivo de Cultura do Movimento Sem Terra (DF e entorno). Ali, tinham trinta e poucos jovens, a maioria, assentados. A outra parte era formada por estudantes universitários do curso de comunicação social.

E o debate seguia produtivo. A cada avanço nas discussões, duas sensações prevaleciam. Primeiro, a satisfação em avançar por adquirir tais conhecimentos. Segundo, o desespero de não poder fazer nada para evitar o que acontecia há décadas: às oito da noite, milhões e milhões de fiéis sintonizados no mesmo canal, vendo e ouvindo as mesmas reportagens, feitas por seres humanos de condomínio.

O texto "Seres humanos de condomínio" foi originalmente publicado no site do jornal Brasil de Fatohttp://www.brasildefato.com.br/content/seres-humanos-de-condom%C3%ADnio

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